Em abril de 2016, um de nós, irmãos do Capitão Rei Vilar, recebeu um e-mail de um desconhecido. Era de um estudante de doutoramento que andava em terras Felupes a recolher informações nesta região sobre questões de Saúde, mais precisamente numa aldeia do Cacheu com um nome de mulher, Suzana, no norte da Guiné-Bissau.
Durante esse trabalho que durou quatro meses, Luís Costa, assim se chamava este estudante, ia interrogando a população desta comunidade. Não nos conhecia nem nunca tinha ouvido falar de nós nem do nosso irmão Luís. Mas, ao entrevistar a população, de Suzana ouvia repetidas vezes referências a um tal Capitão Rei Vilar que os Felupes recordavam com muita devoção.
Luís Costa teve curiosidade em saber quem seria o tal Capitão Rei Vilar e foi procurar na Internet. E através dum blogue “Camaradas da Guiné”, ao qual nós tínhamos aderido, conseguiu obter o e-mail de um de nós. O texto do e-mail que enviou referia as constantes referências da população de Suzana ao Capitão Rei Vilar e as boas memórias guardadas pelos habitantes de Suzana que consideravam o nosso irmão como um homem bom; isto, 46 anos depois de o Luís ter sido morto em combate no contexto de uma operação militar perto da fronteira com o Senegal.
O Luís regressou à metrópole uma só vez durante a sua comissão. Nessa altura, trouxe consigo para nossa casa e para a nossa mesa um homem de etnia felupe que era um dos guias da companhia de cavalaria que ele comandava. Chamava-se António Blata que teria aproximadamente a idade do nosso irmão. Já conhecíamos os Felupes desde há 47 anos porque o nosso irmão Luís nos tinha falado muito deles e isso com grande entusiasmo durante a sua estadia na metrópole.
O Luís tinha-nos falado das suas tradições guerreiras e da Luta Felupe. O Luís mostrou-nos muitas fotos de Suzana e dos seus habitantes que, mesmo sem os conhecermos, ficariam gravados para sempre nas nossas memórias. E por último, ele tinha-nos falado da saudação dos Felupes: “Kassumai” que numa só palavra integra três votos “Liberdade, Paz e Felicidade” e cuja resposta é “Kassumai Kep” que quer dizer “Para sempre”.
A mensagem que recebemos do Luís Costa em abril de 2016 deixou-nos surpresos, e a pergunta que imediatamente surgiu foi: o que fazer? E a resposta dos três foi unânime e espontânea: vamos a Suzana. Se os Felupes se recordam do nosso irmão com tanto afeto, merecem toda a nossa estima e a nossa visita. São nossos amigos! Vamos a Suzana!
Mas atenção, ir a Suzana não é o mesmo que ir a Paris ou a Bruxelas. Suzana é uma aldeia perdida no meio da África e a viagem teria de ser muito bem organizada. Para isso foram necessárias longas conversas com o nosso único contacto, o Luís Costa, para prepararmos convenientemente a nossa viagem. Além disso, seria imprudente partirmos durante a estação húmida e seria melhor esperarmos pela estação seca.
Assim, em janeiro de 2017, fizemos as malas e partimos para visitarmos os Felupes de Suzana e conhecer as recordações e memórias que eles guardavam do nosso irmão Luís, o Capitão Rei Vilar. Mas Suzana não tem lojas, nem restaurantes e muito menos hotéis. O Luís Costa sugeriu que nos puséssemos em contacto com a Missão Católica para nos acolher. E foi aí que encontrámos guarida, nuns casebres anexos à Missão onde havia um fio de água para nos lavarmos, o que já por si era um luxo, e umas enxergas onde poderíamos colocar os sacos-cama.
O avião levou-nos de Lisboa até Bissau.
Em Bissau, ficámos três dias num hotel para organizarmos a nossa viagem com o nosso guia Felupe Adriano Djamam, também recomendado pelo Luís Costa, e alugarmos uma carrinha suficientemente robusta para nos levar até Suzana. Os primeiros 120 km da viagem fizeram-se relativamente bem, apesar de termos tido de trocar de carrinha no princípio do percurso.
De Bissau a São Domingos, a cidade mais próxima de Suzana, as estradas estavam relativamente boas ao contrário dos últimos 35 km, de São Domingos até Suzana, que foram feitos em mais de 4 horas devido à estrada de terra estar quase impraticável cheia de buracos, cheia de fendas e sem qualquer proteção nas bermas, o que dificultava o avanço da carrinha.
Mas valeu a pena, pois, à chegada de Suzana, fomos recebidos por centenas de crianças que ladeavam a estrada, e pelos professores da escola de Suzana. Todas as crianças, limpas e impecavelmente vestidas, cantavam e batiam palmas para nos darem as boas vindas. Não estávamos à espera desta receção tão cordial, tão emocionante.
Passámos cinco dias em Suzana onde conhecemos muita gente, entre outros, o Padre José Fumagalli, mais conhecido por Padre Zé, Prior de Suzana há dezenas de anos que ainda conheceu o nosso irmão Luís e nos relatou, nomeadamente, a sua ação na aldeia e os acontecimentos do dia da sua morte. Depois, abraçámos os filhos do Blata e reunimo-nos com os Homens Grandes. Aí, ouvimos então muitas histórias da boca dos anciãos, confirmando que, para além das preocupações militares, o nosso irmão se preocupava genuinamente com a vida dos habitantes de Suzana. Foi aí que se confirmou que o Luís tinha mandado construir a primeira Escola de Suzana.
Soubemos também que as crianças eram todos os dias recolhidas num raio de 5 km para irem à escola e que comiam do rancho dos soldados no aquartelamento, antes de serem levadas de volta às suas tabancas pelos soldados. E, como comiam da sopa dos soldados eram, e ainda são, apelidados de “sopitos”.
No primeiro dia visitámos a Escolinha que o Luís tinha mandado construir. Apesar de estar num estado decrépito continuava ainda a funcionar como Jardim de Infância. O mobiliário era escasso, constituído por bancos corridos onde as crianças de 4 a 6 aninhos unicamente podiam cantar, bater palmas e mexer as perninhas dum lado para o outro. Além disso, nada mais podiam fazer: nem escrever, nem desenhar, nem mesmo aprender as letras ou os algarismos.
Tudo isto nos impressionou muito e nos motivou a ajudar estas crianças no que é primordial no ser humano: a Educação! Estas crianças serão amanhã os homens e as mulheres deste pequeno País, um dos mais pobres do Mundo, e precisam de ajuda.
No final da nossa estadia, decidimos de forma espontânea realizar um projeto de apadrinhamento em colaboração com a Missão Católica para melhorarmos a educação destas crianças, tanto mais que os Felupes de Suzana não se fizeram rogados e nos pediram ajuda, e todos sabemos que tudo falta neste País onde há tantos problemas e tantas necessidades. Este foi o início do Projeto KASSUMAI. Assim, com a Missão Católica e com a Escola de Suzana organizámos uma sessão de fotografias. Cada criança foi fotografada com o seu nome e a data de nascimento escritos num papel. Não foi muito fácil porque alguns tiveram medo de serem fotografados. Depois do nosso regresso, reunimos os nossos amigos mais chegados e os nossos familiares num almoço de confraternização para lhes contarmos a nossa viagem.
Fizemos um filme sobre o Luís e sobre Suzana.
E os nossos amigos partilharam da nossa emoção e compreenderam o nosso objetivo: ajudar as crianças de Suzana. Dar-lhes Educação! Saber ler, contar e escrever é essencial para cada ser humano mas ir ainda mais longe, aprender uma profissão é também muito útil. E todos compreenderam. E todos se prontificaram a ajudar e a apadrinhar as crianças que tínhamos fotografado.
Até 2020, com o apoio de padrinhos e benfeitores, o Jardim-Escola passou por uma transformação significativa. As paredes internas e externas foram pintadas, o telhado danificado foi substituído por um novo telhado de chapa de zinco tradicional, e o chão de terra batida foi revestido com mosaicos. As portas foram reparadas, e as antigas latrinas, que se encontravam em péssimas condições, foram substituídas por novas instalações, agora equipadas com fossas séticas modernas.
Além disso, foi adquirido um mobiliário adequado para a educação pré-primária, composto por 10 mesas hexagonais e 60 cadeirinhas, para acomodar as 60 crianças que frequentavam o Jardim-Escola na época. Duas pérgulas foram construídas para servir como espaço de refeições e recreio, oferecendo abrigo tanto nos dias de sol quanto de chuva. O terreno ao redor foi limpo, e um gradeamento foi instalado para garantir maior segurança às crianças. Essas melhorias resultaram em um ambiente mais seguro, estimulante e saudável para o desenvolvimento das crianças.
E foi assim que nasceu o Projeto Kassumai que reuniu amigos e familiares nossos que contribuíram para a reconstrução do Jardim-Escola de Suzana. Nada acontece por acaso! O Blogue dos Combatentes da Guiné-Bissau recorda que para além das leituras históricas e políticas da guerra colonial, existem inúmeras histórias pessoais de quem combateu, de quem esteve lá, de quem não esteve lá, de quem viu gente morrer de perto, e de quem perdeu familiares seus. Esta história faz parte do último tipo de leituras. O certo é que os Felupes de Suzana, e a família Rei Vilar partilham a mesma memória do nosso Luís, que para eles será sempre a do Capitão Rei Vilar, o Capitão dos Pretos, como eles o apelidavam. E desta partilha nasceu um pequeno exemplo de como a memória de alguém, que partiu há 50 anos, pode ser transformada utilmente em amizade e solidariedade entre os povos.
Em 2020, voltámos a Suzana mas desta vez éramos 12 entre madrinhas, padrinhos e amigos do Projeto Kassumai. Íamos para inaugurar o Jardim-Escola. O Diretor da Escola de Suzana insistiu em dar o nome do nosso irmão ao Jardim-Escola que foi batizado “Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar”.
Em 18 de fevereiro de 2020, no 50º aniversário da morte do Capitão, dia por dia, e por iniciativa da Direção do Agrupamento da Escola de Suzana, o Jardim-Escola foi inaugurado com o nome de "Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar". Com o êxito assegurado do nosso Projeto, quisemos continuar a ajudar Suzana. Não só as crianças, mas também os jovens e mesmo a Comunidade.
E foi assim que a Associação Anghilau foi constituída em fevereiro de 2020.
Eu também fui acompanhar o meu irmão ao embarque para o Niassa, um navio da Companhia Colonial de Navegação.
Foi em julho de 1969 e o Niassa não ia desta vez para Moçambique mas para a Guiné. Lembro-me da aflição da minha mãe a ver o seu filho mais velho partir para a Guerra. O Luís era Capitão de Cavalaria e ia comandar uma Companhia no Norte da Guiné numa aldeia a 10 km do Senegal com um nome estranho, um nome de mulher: Suzana. O Luís tinha 28 anos. Já era casado e tinha 2 filhos de tenra idade: o Tiago e o João Luís.
O ambiente combinava a aparente jovialidade dos jovens soldados que partiam e a tristeza dos familiares que se iam despedir. Eu tentava consolar a minha mãe dizendo que o Luís estava preparado para a Guerra. Ao fim e ao cabo, era o trabalho dele. E ele era um jovem Capitão mas muito consciente das suas responsabilidades e bem preparado, muito bem preparado. E o barco ia-se afastando rumo ao horizonte. Nós seguíamos de Alcântara para Cascais no carro do nosso amigo Filipe Matos que se tinha prontificado a nos acompanhar. Chegando a Oeiras, vimos o Niassa ainda não muito longe da Costa.
Perto do Forte de São Julião da Barra, Maria do Carmo, a minha mãe, pediu ao amigo Filipe para ele estacionar o carro. Ela saiu do carro e galgou pelas rochas do Forte de São Julião para se aproximar um pouco mais do Niassa. O barco estava ali, face aos nossos olhos, mas rumando já para fora da Barra. Mas a Maria do Carmo continuava a caminhar pelas rochas para se aproximar um pouco mais do seu querido filho que ia para a guerra… até que o barco foi desaparecendo no horizonte e vi a minha mãe lavada em lágrimas voltar para o carro.
Mas o Luís voltou.
Voltou em Dezembro. Vinha com o seu cão, um pastor alemão que se chamava Askur. Com ele vinha também um homem negro, o seu guia Felupe, a etnia que povoa Suzana. Chamava-se António Blata mas nós, os irmãos, começámos logo a chamar-lhe Mulata. Também tinhas filhos miúdos lá na Guiné. Gostámos muito dele e ele de nós. Os meus irmãos mais novos levaram-no ao Circo ao Coliseu e ele ficou maravilhado. Toda a família veio à nossa casa ver o Luisinho. Era assim que nós lhe chamávamos. E lá vieram os meus avós, os meus tios e os meus primos e muitos amigos. E a minha avó, cheia de inquietação, a dizer-lhe:
- Luisinho tem cuidado, tem muito cuidado, vê lá que nós todos queremos que tu venhas de boa saúde.
E ele respondeu à minha avó:
- Posso vir de pés juntos, mas virei sempre com honra!...
Esta frase ainda continua viva na minha cabeça:
- Posso vir de pés juntos, mas virei sempre com honra!
O Luís regressaria à Guiné alguns dias mais tarde e desta vez por via aérea. Perante o sofrimento da primeira partida, implorámos à nossa mãe para não ir ao Aeroporto porque não a queríamos ver naquele sofrimento a passar uma segunda aflição na partida do Luís. Mas ela queria ir e insistia... mas acabou por se convencer... mas chorava amargamente ao ver-nos partir para o Aeroporto. E o Luís lá foi. Lembro-me dele nos acenar à saída do embarque. E esta foi a última vez que vi o meu irmão.
No dia 18 de fevereiro de 1970, no principio do ano seguinte, antes de ir para o Técnico dar as minhas primeiras aulas universitárias, tinha de dar uma explicação de Matemática à Micà, uma miúda que tinha horror a esta disciplina. Para ela, os números eram sempre uma enorme complicação e as expressões numéricas, então, um terrível quebra-cabeças. As potências e os expoentes eram, para ela, incompreensíveis. Eu acompanhava esta mocinha três vezes por semana e com poucos resultados visíveis. E ali estava eu mais uma vez com toda a minha paciência e atenção a ajudar a Micá na Aritmética quando batem à porta da sala onde estava a dar a explicação. Não era costume interromperem-me. Fui abrir e era o meu pai mais o Vítor, um senhor amigo. Vi imediatamente que se passava algo de importante e grave. O meu pai agarrou-se a mim e disse-me: o Luisinho foi ferido em combate. Com o meu pai agarrado a mim, olhei para o amigo Vítor que me fez um sinal com a cabeça e aí, só com esse sinal, compreendi que ele não estava “ferido”... mas estava morto! E, sem mais, o meu pai disse-me: - Vai dizer à tua mãe que eu não consigo!
A minha mãe estava de cama com um problema na coluna vertebral. Há vários dias que ela estava de cama. Quando eu entrei no quarto, ela viu logo que algo se passava e perguntou-me: - O que é que foi? E eu abracei-me a ela a chorar. Soluçava enquanto ela me acariciava o cabelo e continuava a perguntar o que é que eu tinha. - O que é que tens, filhinho? Então eu murmurei: o Luisinho foi ferido em combate… A minha mãe não chorou, e nunca mais chorou na vida, porque as lágrimas secaram-se-lhe nos seus olhos para sempre…
Nesse dia do ano 2000, a cabeleireira do lar não estava disponível e D. Maria do Carmo precisava mesmo de lavar a cabeça e pentear-se. Decidiu, pois, sair e ir até à cabeleireira do bairro. Não era a primeira vez que D. Maria do Carmo ia ali. Contudo, desta feita, vendo que a cabeleireira era uma senhora africana, teve curiosidade em saber donde viera. Conversa puxa conversa (a gente sabe como é…) e a surpresa apareceu assim de repente, completamente inesperada, mais inesperada do que todas as surpresas.
– Da Guiné – respondeu.
– E donde exatamente.
– De uma aldeia chamada Suzana. Fica situada a 5 km da fronteira com o Senegal, no noroeste da Guiné-Bissau.
– Suzana? Mas foi em Suzana que o meu filho esteve e aí comandou a sua Companhia…
– Mas a Senhora é da família do senhor capitão que morreu na guerra, o capitão Luís Filipe Rei Vilar?
D. Maria do Carmo estremeceu ao ouvir soletrar o nome completo do filho.
– Sim, sou a mãe. Ele morreu, sim, em combate na Guiné. A 18 de fevereiro de 1970… Mas a senhora, que é tão nova, como sabe o nome do meu filho?
– É que, em Suzana, nós veneramos muito a memória dele!
D. Maria do Carmo estremeceu ainda mais.
– Sim? Porquê?
E a cabeleireira começou a desfiar, com entusiasmo, o rosário de benefícios que o capitão conseguira trazer para a aldeia, quando ali estivera em serviço com a sua companhia. Lutara, sim, ele e os seus homens, para defenderem a população, garantiu a cabeleireira; mas o mais importante ainda foi toda a obra social aí levada a cabo, nomeadamente no domínio da instrução, mediante a construção de uma escola, uma escolinha de 25 x 10 metros. «Lutando, construindo e ensinando» era a sua divisa!
Em Suzana chamavam-lhe o Capitão dos Pretos! As crianças eram recolhidas num raio de 5 km para irem à escola e, antes de serem levadas para casa, partilhavam o rancho dos soldados, da sopa deles… Por isso, esses meninos eram apelidados de “sopitos”. E ainda hoje o são!
A surpresa da família
A novidade caiu inesperada. Sobre a comissão de Luís Filipe Rei Vilar, nascido em Cascais a 12 de Novembro de 1941, e, sobretudo, acerca das circunstâncias da sua trágica morte chegaram a divulgar-se informações contraditórias e a família, contristada, preferiu continuar a ficar com a recordação do excelente percurso académico e militar que o filho tivera. Fora brilhante aluno na Escola Técnica e Liceal Salesiana de Santo António, no Estoril; praticara hóquei em patins no Grupo Dramático de Cascais; notabilizara-se na Academia Militar e, nomeadamente, na equitação, tendo participado em vários concursos no Hipódromo de Cascais, que tem hoje o nome de Manuel Possolo, mestre de equitação do Luís.
Essa informação trouxe, pois, de novo à memória os momentos bons e também os maus. D. Maria do Carmo viria a falecer em 6 de Janeiro de 2004. Os filhos Duarte, Manuel e Miguel é que não ficaram sossegados enquanto não tiraram a limpo o que acontecera e qual a razão dessa veneração dos Felupes pelo seu irmão mais velho. Fora-lhe atribuída, a título póstumo, a Medalha de Serviços Distintos Prata com Palma («Diário do Governo» de 11-5-1970), tendo sido destacado, na circunstância, que «no campo da ação psicológica atuou como um verdadeiro apóstolo, conquistando o respeito e admiração das populações, que nele confiavam cegamente;
No campo operacional salientou-se pela firme determinação em bater o inimigo nas zonas de refúgio e pelo exemplo da sua presença nos locais de maior risco». Soube-se depois que, também em Suzana, após a sua morte, fora colocada uma placa em sua memória, hoje desaparecida. O Município de Cascais, por deliberação unânime de 5 de Junho de 1970, dera o nome de ‘Capitão Rei Vilar’ a um arruamento do Bairro Navegador, no mesmo dia em que foi decidido homenagear, no mesmo bairro, a memória de outro cascalense, tal como o Furriel João Vieira, que, aos 23 anos, fora morto em combate, em Angola, a 6 de Agosto de 1965, aluno da Escola Salesiana do Estoril, também ele.
A obra em marcha
Em primeiro lugar, a notícia dada pela cabeleireira causou na família muito espanto e alguma dúvida. Sucedeu, porém, que, em Abril de 2016, o irmão Miguel recebeu a mensagem de um desconhecido, um certo Luís Costa, antropólogo, recém-chegado da Guiné, aonde fora em preparação da sua tese de doutoramento e que vivera quatro meses em Suzana. O teor era o seguinte: «Quero-lhe dar conta que a Memória do seu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538 […] continua bem viva e respeitada. Os habitantes de Suzana falam com entusiasmo e saudade do seu irmão e contam o interesse e respeito que ele tinha pelas gentes da Guiné em especial pelos Felupes». E, assim, em Janeiro de 2017, no seguimento desta mensagem, os três irmãos Manuel, Duarte e Miguel partiram para a Guiné.
Escreve o Manuel, a 30 desse mês: «Quando chegámos a Suzana, a surpresa! À chegada, tínhamos uma recepção de cerca de 200 crianças a cantarem e a bailarem, todas lindamente penteadas, limpas e bem vestidas. Não estava a acreditar! Toda a população nos esperava! Permanecemos em Suzana 4 dias, alojados nuns casebres da missão católica. Foram 4 dias a conviver com a população, com os Felupes, a etnia local.
Fomos ao sítio onde tudo se passara. Ainda há alguns guias Felupes vivos que incorporaram a Companhia nessa altura e os seus pormenorizados relatos, nomeadamente das circunstâncias da morte do Luís, foram para nós testemunhos muito importantes». Entre outros, o do Padre Zé (José Fumagalli), já com 80 anos, que dirigia a Missão Católica nesse tempo e que conheceu e conviveu com o Capitão, também confirmou essas informações.
As autoridades locais (o Conselho dos Homens Grandes) acolheram-nos, pois, de braços abertos; e a Missão Católica (liderada então pelo Padre Abraão e, posteriormente, pelo Padre Vítor) proporcionou-lhes um básico alojamento, porque, na verdade, Susana é aldeia pobre, minguada de meios. O resultado dessa primeira viagem a Suzana foi a promessa dos irmãos Rei Vilar de continuarem a obra, no que respeitava à educação das crianças, em tão boa hora iniciada pelo irmão Luís Filipe, em circunstâncias assaz adversas.
Foi assim que surgiu, espontaneamente e com esse objetivo, o Projeto Kassumai, que deu origem, em 2020, à constituição da Associação Anghilau («criança», em língua felupe). Foram assim apadrinhadas 35 crianças: a Adelaide da Silva, o André Djejo, a Bequita Ampabagai, o Davide N’Manga, a Necas Sambu, o Olívio Bussa, por exemplo, que aparecem, felizes e tímidas, no vídeo Kassumai, que Casper Steketee e Manuel Rei Vilar realizaram, não apenas para dar conta da vida do irmão Luís, mas, de modo especial, para fazerem jus ao bom acolhimento havido por parte da população e, sobretudo, para motivarem os amigos e familiares a aderirem a este projecto educacional.
Kassumai, o nome do projeto, é a saudação felupe, que significa simultaneamente «felicidade, paz e liberdade». E quando alguém saúda outrem – «Kassumai»! – o outro deve responder «Kassumai Kep», que quer dizer «para sempre!». Um toque de humanidade a reter dos nossos irmãos africanos! Daí até à sugestão de reabilitar a escola e de fazer um edifício a condizer com as necessidades foi um passo.
O Jardim-escola, que se encontrava decrépito, foi completamente reabilitado: renovação do telhado, pavimentação das salas, pinturas das paredes, aquisição de nova mobília adequada ao ensino pré-escolar, arranjos das portas totalmente danificadas, novas instalações sanitárias com duas fossas séticas, criação de duas pérgulas para as crianças tomarem as refeições e brincarem nos dias de chuva e elaboração duma cerca para maior proteção da miudagem.
Em 2017, os irmãos Rei Vilar tinham encontrado em Suzana um homem branco, da ONG VIDA – Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano, organização criada em 1992, com sede em Lisboa, na Rua Nova do Almada (http://vida.org.pt), que focou muito da sua atividade na Guiné, em prol de contribuir para acudir às prementes necessidades de nutrição, mormente das crianças, através duma implementação correta do Programa Nacional de Nutrição da Guiné-Bissau que contribua para a sua sustentabilidade. Como é lógico, gerou-se, de imediato, uma útil parceria com a futura ‘associação’ das boas vontades que a família conseguira congregar em torno de si. A partir desse encontro, a figura de um felupe, o Sr. Olálio Neves Trindade, hoje responsável da ONG VIDA na Guiné-Bissau, veio a ser o homem de campo do Projeto, em colaboração com o Prior de Suzana Padre Vítor Pereira.
Os media foram indispensáveis para manter uma ligação quase quotidiana com Suzana e para difundir as atividades do Projeto. E, a 18 de fevereiro de 2020, 50 anos depois da morte do Capitão, dia após dia, as novas instalações pré-escolares foram solenemente reinauguradas, com o nome Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar, nome escolhido pela Direção do Agrupamento Escolar de Suzana, na presença de doze padrinhos e madrinhas, que se deslocaram a Suzana para esse fim, das autoridades locais (administrativas, religiosas e escolares) e do Comité das Mães.
Atualmente, o Jardim-Escola tem uma capacidade para mais de 70 crianças e o Agrupamento Escolar de Suzana, que resultou da pequena escola criada pelo Capitão Rei Vilar, é frequentado por mais de 700 alunos. A construção de uma Residência dos Professores de Suzana foi o segundo objetivo do projeto em 2021, crucial para fixar os docentes em alojamentos condignos. A nova residência encontra-se terminada desde julho de 2021 e apta a acolher os professores a partir do próximo ano letivo: foi entregue nas últimas semanas às entidades escolares. A reabilitação do Jardim-Escola assim como a construção da nova Residência para professores foram totalmente pagas com os donativos do apadrinhamento das crianças.
O que falta?
Compreende-se, porém, que projetos deste teor nunca podem considerar-se terminados e, após uma solução encontrada, outro problema por resolver se depara com premência. Neste sentido e neste momento, um terceiro projeto tem como objetivo reabilitar os restantes edifícios escolares, incluindo o acabamento do Liceu, que foi inteiramente construído pela comunidade de Suzana.
Em Março de 2020, a Associação Anghilau, recentemente constituída, decidiu dar conhecimento do trabalho realizado em Suzana à Câmara Municipal de Cascais, tendo sido pedida, para esse efeito, uma reunião com a Divisão das Relações Internacionais. Nessa reunião, a Câmara dispôs-se a analisar este terceiro projecto, baptizado de Projecto Cascais-Suzana, que se encontra ainda em apreciação. A aprovação desse projecto seria, de facto, o reconhecimento de todo o trabalho realizado até aqui e também, de certa forma, uma maneira de o Município poder honrar, tal como os Felupes o fizeram, a memória do Capitão Luís Filipe Rei Vilar, um filho de Cascais, sempre presente nesta vila e no coração dos habitantes de Suzana.
José d’Encarnação
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